quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A EDUCAÇÃO DEBAIXO DO PÉ DE MANGA

Entrevista tira do site http://www.banconaescola.com/ realmente inspirador!...

Tião Rocha é um educador “alterativo”, de acordo com suas palavras. É necessário entender a história desse antropólogo “por formação”, ex-professor universitário e um apaixonado pela obra de Guimarães Rosa.

A convite da Oficina de Idéias, Tião realizou a oficina ‘Maneiras Diferentes e Inovadoras – MDI’ com educadores de escolas parceiras do Programa Banco na Escola, no dia 02 de agosto de 2008.
Fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, o CPCD como é conhecido, é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos. Fundada em 1984, em Belo Horizonte, MG, tem a seguinte missão: promover educação popular e desenvolvimento comunitário a partir da cultura, tomada como matéria-prima de ação institucional e pedagógica. Para cumprir esta missão, o CPCD vem desenvolvendo projetos (e plataformas) que já se tornaram referência de qualidade, exemplo de desenvolvimento sustentado e alternativa eficaz na implementação de políticas públicas e sociais.

Iniciados em Curvelo, os projetos, pedagogias e tecnologias criados pelo CPCD foram e estão sendo implantados em outras regiões de Minas Gerais (Vale do São Francisco e Vale do Jequitinhonha), disseminados para outros estados (Espírito Santo, Bahia, São Paulo e Maranhão) e países (Moçambique e Guiné Bissau).


Em entrevista concedida a Thereza Dantas, jornalista do Portal Rede Social São Paulo, Tião fala sobre o trabalho do CPCD, a pedagogia de roda, entre outros.


RSSP: O CPCD completará 25 anos de trabalho educacional. Como e porque surgiu a o CPCD?
Tião Rocha: A CPCD surgiu como uma alternativa para a questão da aprendizagem. Queríamos dar novas respostas para questões relevantes como a Educação e o Desenvolvimento através da Cultura. Como folclorista, fui convidado ainda nos anos 80, pela prefeitura de Curvelo para desenvolver um trabalho sobre o assunto e quando lá cheguei vi que as crianças não estavam nas escolas. Ou não havia escolas suficientes ou, quando havia, as crianças não permaneciam. Era grande o número de crianças e adolescentes fora da escola ou excluídos dela. Esta questão me angustiava. Aí comecei a me perguntar: - “é possível fazer educação sem escola?” e “é possível fazer um boa escola debaixo do pé de manga?, porque isto tinha muito na cidade. E foi a partir destas perguntas que iniciamos os nossos projetos: uma boa pergunta que nos propiciasse boas aprendizagens! Construir escola e educação debaixo de árvores.

RSSP: Foi a partir daí que o Sr. começou o trabalho com crianças e adolescentes?
Tião Rocha: Sim. Fiz estas perguntas num programa de rádio. Apareceram 26 pessoas interessadas e curiosas em busca destas respostas. Passamos a conversar todos os dias. Aí percebi que nós não falávamos da escola que gostaríamos de ter, mas da escola que gostaríamos de não ter tido. Daí construimos um código de ética ou como nós o chamávamos “os não-objetivos educacionais”. Fizemos um trato: Se não fizéssemos aquelas coisas que anotamos, o resto seria lucro. O trabalho com as comunidades e com as crianças seria de nós nos policiarmos para não cometermos os mesmos e velhos erros que os sistemas educativos vinham cometendo há anos. Fomos às casas das crianças e dos adolescentes, conversamos com os pais. Eles não entendiam uma escola sem paredes, embaixo de um pé de manga.

RSSP: Houve grande resistência?
Tião Rocha: Muita. Os pais nos perguntavam sobre as listas de materiais, lápis e canetas. E nós respondíamos que não precisávamos. As crianças e jovens achavam estranho não ter filas, carteiras, professores , etc. No começo a maioria desconfiava daquela ação. Todas as pessoas, mesmo as que nunca foram a uma escola, sabem como ela funciona, A escola não depende das pessoas. O manequim é modelo único e está pronto há anos, talvez séculos!
Começamos então o nosso processo da “desaprendizagem” deste modelo, ou seja, nós não iríamos ensinar conteúdos prontos e acabados, mas construir conhecimentos necessários e juntos. Aí inventamos a Pedagogia da Roda. Uma roda redonda onde todos se vêem e, juntos, constroem as pautas, os assuntos, os ritmos e as maneiras de aprender-e-ensinar.
A escola formal, como o próprio nome sugere, é uma fôrma pronta, um formato padrão, uma prática enformatada quando não “formolizada”. Nesta fôrma as crianças são, geralmente, tratadas ou vistas “como páginas em branco, onde devemos escrever um belo livro”. A escola ainda é “serviço militar obrigatório aos 7 anos”. (Agora já está sendo aos 6 anos). A Escola, infelizmente, marca o fim da infância. O fim do brincar e do brinquedo, e o fim precoce do prazer substituído pelo o início do dever!

RSSP: Quantas crianças e adolescentes foram alunos do CPCD?
Tião Rocha: Nestes 25 anos de atuação, mais de 30 mil crianças. Em Santo André, SP, por exemplo, o Projeto Sementinha é política pública da Secretaria da Educação há 8 anos e já beneficiou mais de 2 mil crianças pequenas. Atuamos em outros Estados como a Bahia e Espírito Santo, além de Minas Gerais.
Nosso tripé - metodologia inovadora, formação de educadores e participação comunitária - também é praticado em Moçambique e Guiné Bissau.

RSSP: Como é a Pedagogia da Roda?
Tião Rocha: Aprender fazendo. Sempre e coletivamente. Ação-reflexão-ação. Aprendemos que Educação é algo que só ocorre no plural. A Pedagogia da Roda é um espaço-tempo de aprendizagem, de troca, fora da caixinha e da fôrma. Na roda estabelecemos uma pauta que não seleciona, mas que constrói consensos. A escola que seleciona, não educa, mas exclui.

RSSP: Quais são as referências para o trabalho que vocês desenvolvem?Tião Rocha: Paulo Freire que tornou-se um verbo praticado todos os dias, portanto só é conjugado no presente do indicativo (eu paulofreire, tú paulofreiras, ele paulofreira, nós paulofreiramos, vós paulofreirais, eles paulofreiram).
Outra fonte de inspiração permanente é Guimarães Rosa. O Riobaldo (personagem do livro Grande Sertão Veredas) é um grande educador. Do seu “perseguir o acontecido” ao “beber de todas as fontes e todas as águas” até chegar no “uma religião só pra mim é pouco, eu quero rezar todas”, deveriam inspirar todos os professores para que se tornassem educadores. Da ensinagem para a aprendizagem!


RSSP: Em 2007 o Sr. recebeu o Prêmio Empreendedor Social 2007, concedido pela Fundação Schwab e Folha de S.Paulo. Qual o prêmio o Sr. gostaria de receber hoje?Tião Rocha: Gostaria de ser lembrado, quem sabe, por ter contribuído para a construção de Cidades Educativas. Uma cidade educativa é aquela em que as bibliotecas funcionam 24 horas, como os hospitais as farmácias e onde “para educar uma criança é necessário toda a aldeia”, como aprendi com os sábios moçambicanos.
Também não quero ser mais do 1o, 2o ou 3o Setor . A lógica do Governo, Mercado e Sociedade não resolve nada, só tem interesse acadêmico.
Temos que criar, urgentemente, o Setor Zero, que deve ser comandando pela Ética e para zerar os déficits sociais que temos: fome zero, degradação ambiental zero, violência zero, analfabetismo zero e corrupção zero.


* Tião Rocha, o antropólogo (por formação acadêmica), o educador (por opção política), o folclorista (por necessidade), o mineiro (por sorte) e atleticano (por sina) disponibiliza no site do CPCD todos os seus textos, artigos e livros sobre Educação, Desenvolvimento, Cultura Popular e Minas Gerais. Esses textos podem ser visualizados e impressos por qualquer internauta, basta apenas visitar o site: www.cpcd.org.br
Sugerimos que os interessados leiam os projetos sócio-educativos, as pedagogias e tecnologias educacionais, os indicadores de qualidade e os novos desafios, tais, como ao Projeto Araçuaí: Cidade Sustentável ou “Arassussa”.

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